Assim a medicina é um excelente exemplo
para aquilo que, na física quântica, chamamos de complementaridade. Porque
usamos vários sistemas de pensamento e eles não são redutíveis a uma única
visão. Então quando nós tentamos reduzir
a cultura toda a uma única visão, perdemos a riqueza. É necessário preservar
essa riqueza, diversidade cultural, diversidade das línguas. Agora, quando
imaginamos que uma cultura é superior a outra, ou uma religião superior a
outra, estamos enganados. A essência da cultura de paz é a complementaridade.
Queria também lembrar Niels Bohr, esse grande mestre
da física quântica, um filósofo da física quântica, em 1925 ele propôs a Teoria
da Complementaridade, na Itália, em uma época em que todos os físicos do mundo
caberiam nessa sala aqui. A partir disso, ele ganhou o prêmio Nobel de Física e
essa visão se tornou a visão preponderante da física quântica. Essa visão da
física quântica, ele reconheceu também como uma visão pacifista.
Naquele período, os físicos terminaram se engajando no
esforço de guerra. Os físicos da Alemanha, no esforço de guerra alemão; alguns
migraram para o Estados Unidos e outros físicos, entre eles o Niels Bohr, o
Einstein, outros grandes, fizeram parte do esforço de guerra americano, que
culminou com a explosão da primeira bomba nuclear. Na seqüência, essa bomba
originou os ataques ao Japão, que foi horrível. Quando isso ocorreu, os físicos
se reuniram e tentaram reverter o processo.
O presidente
Truman teve oportunidade de rir dos físicos. Porque os físicos geraram aquilo,
mas eles nunca imaginaram que seria usado desse modo. Eles
imaginavam que, o fato de dispor de uma arma dessas, seria uma arma política e
que nunca seria usado efetivamente na guerra. Porém, quando isso se deu, a
maior parte desses físicos proeminentes, se tornaram pacifistas, entre eles,
Niels Bohr e Einstein. Então, Einstein e
especialmente Niels Bohr dizem: “A base da cultura de paz é a
complementaridade.” Diferentes formas de pensar não podem ser convertidas a
uma única forma de pensar. E a diversidade é interessante.
Sob o ponto de vista da filosofia, nós vamos encontrar
grandes filósofos, como Wittgenstein e o próprio Niels Bohr, que explicam a
razão pela qual não conseguimos um único sistema filosófico de pensamento, que
dê conta de todos os fatos. A base disso é o fato de que quando pensamos sobre
as coisas, sempre utilizamos uma base filosófica para pensar. Essa base
filosófica tem seus méritos, mas também suas limitações. Então não é possível
pensarmos sobre as coisas, de forma natural. Pensamos sempre a partir de
pressupostos, que limitam o que podemos pensar.
Wittgenstein diz que quando não conseguimos
compreender algo dentro do nosso sistema de pensamento, aquilo não pode ser
previsto dentro do nosso sistema de pensamento, nós não poderíamos usar isso
como argumento para negar a sua realidade. Um exemplo seria, se nós, na
medicina convencional, não entendemos as agulhas, não podemos negá-las. Se o
nosso sistema de pensamento pudesse entender as agulhas e dissesse que elas não
funcionam, então nós poderíamos negá-las. Mas se o nosso sistema de pensamento
não consegue nem imaginar como elas operam, então isso é uma fragilidade. Logo,
precisamos de um sistema de pensamento que consiga entender as agulhas e ele
pode raciocinar sobre o funcionamento ou não delas, sua validade. Seria um
sistema de validação da realidade. Wittgenstein
diz que a base da cultura de paz está nessa compreensão, de não excluirmos o
que não entendemos.
Hoje, podemos não entender as culturas nativas que
ainda habitam o nosso solo. Aliás, eles não têm desempregados, não têm
periferia urbana, não têm geladeiras, não participam do processo
econômico. A inteligência econômica não consegue vê-los, eles estão entre
os seres abaixo da linha de pobreza, mas quando vocês olham para eles, eles não
têm desemprego, não têm exclusão social, são integrados, têm saúde, mas eles
não participam do processo econômico. Então é como se eles não fossem cidadãos,
não tivessem nenhum impacto, nenhum sentido. A cultura de paz significa
entendermos eles, no contexto deles. Cada cultura no seu próprio contexto. Esse
é o pensamento de Niels Bohr, de Wittgenstein, de Einstein, da física quântica
e é pensamento budista também. Esse é o pensamento das múltiplas tradições
espirituais.
No que diz respeito ao mundo espiritual, é importante
entender essa lição de um mestre espiritual indiano, quando Alexandre, o
Grande, invadiu a Índia. Quando ele invadiu a Índia, chegou a uma região
e a dominou. Ele chamou as autoridades locais e disse : “Agora Deus chama-se Zeus.” Um velho
sábio se levantou e disse: “Quando o Sol se eleva a leste, passa por diferentes
nações. Cada nação onde ele passa, as pessoas apontam e dizem um nome
diferente, porém é o mesmo Sol.” Aqui, eu trago isso como lembrança do
pensamento de Sua Santidade Dalai Lama. Ele diz: “A nossa natureza é idêntica, não importa a cultura, ou de onde nós viemos,
ou a nossa religião. Todos nós temos a mesma natureza.” A compreensão da
natureza mais elevada é o objetivo de todas as tradições religiosas. Mas não há
duas naturezas mais elevadas. Podemos ter uma diversidade de tradições que
aspiram encontrar, com diferentes métodos, com diferentes medicinas, para
chegar a esse ponto. Mas a nossa natureza é a mesma. A natureza mais elevada
também é a mesma. Essa é a base da cultura de paz dentro das tradições
religiosas.
Sua Santidade
Dalai Lama também diz, que quando encontramos o que há de mais elevado em nós,
talvez não precisemos mais da tradição espiritual. Porque é como
se o objetivo dela tivesse sido atingido. Especialmente na tradição budista,
está previsto isso. A tradição budista é vista como um barco. Nós atravessamos
o rio, abandonamos a margem da ilusão, encontramos a margem da realidade, e
podemos abandonar a tradição espiritual, porque o caminho dela foi o de nos
levar ao outro lado do rio. Sua Santidade Dalai Lama lembra que quando
atingimos esses objetivos, ou somos capazes de seguir verdadeiramente nossas
tradições religiosas, isso pode ser feito pela religião ou pelo bom senso. Basta
o bom senso e talvez no futuro não precisemos das tradições religiosas.
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