Eu recebo esse título de cidadão do Paraná com grande
honra, com grande felicidade. Ainda assim, eu não gostaria de assumir essas
qualidades como qualidades pessoais. Na
verdade, na visão budista, nós dizemos: “Todos os seres têm a natureza de
Buda”. Não apenas essa aspiração pela paz, natural em todos nós, mas todos nós
temos essa natureza de Buda, essa natureza ilimitada. Quando os budistas falam
em natureza de Buda, eles não limitam aos budistas, eles olham isso como
natureza divina de todos os seres.
Quando nós pensamos na paz, pensamos que essa palavra
se torna mais falada quando os tempos são difíceis. No pensamento taoísta se
diz que, quando nós falamos em justiça é porque falta justiça. Quando falamos
de comida, é porque há fome. Quando falamos de paz é porque os tempos são
difíceis.
Na verdade, na visão budista, a nossa natureza é uma
natureza de paz. As várias tradições religiosas se referem a isso. Vocês também
podem perceber, nesse aspecto, que a paz não exige esforço, já a guerra exige
esforço. Quando observamos com cuidado a
nossa situação, vemos que à medida que seguimos pela cultura de paz, as coisas
se resolvem, as pessoas são felizes. Quando abandonamos a visão da cultura de
paz, temos problemas.
Uma das percepções dos meditantes, diz respeito à
impermanência. Nós vemos Samsara, ou Maya, ou o mundo
ilusório como algo que está preso a ciclos. Esses ciclos se manifestam como
períodos em que parece que tudo está bem, seguidos de períodos de crise. Esse
aspecto cíclico é perfeitamente natural dentro de Samsara ou do mundo ilusório
ou de Maya. No
entanto, mesmo nos períodos de crise, podemos perceber que a própria crise, de
modo geral, é algo ilusório também.
Hoje estamos vivendo, na linguagem dos jornais, o
derretimento do sistema financeiro. Mais de 17 bancos americanos quebraram ou
foram absorvidos. Quando
vivemos isso, fica muito claro esse aspecto quase ilusório, no sentido de que o
sol continua se levantando a leste e se pondo a oeste; as plantas seguem
crescendo; os rios seguem correndo, e nisso não há crise.
A crise passa a
existir quando olhamos na tela dos computadores a cotação de coisas abstratas
como o valor da moeda, o valor das ações. Isso nos
permite ver o quão afastados nós estamos das dimensões mais profundas. Se nós
fossemos olhar o mundo real, as crises se manifestam também, mas elas não
surgem na forma de cotação da bolsa ou da cotação das moedas, que caracterizam
a crise de hoje. A crise surge pela destruição das florestas, pelo
empobrecimento da terra, pelo esgotamento dos recursos, pela destruição dos
rios. Isso significa crise.
Quando por exemplo, organizamos ou planejamos coisas
ameaçadoras: a expansão das centrais nucleares, que se prevê hoje no próprio
território brasileiro (a construção de uma central por ano). Isso sim devemos
pensar como crise porque significaria levar, além do razoável, a destruição e
ameaça aos seres humanos.
Eu fui um dos
consultores independentes, quando houve o acidente de Goiânia, em 1986. O Governo Federal me convidou representando
a comunidade acadêmica, a comunidade dos cientistas. Eu estive lá.
Esse acidente de Goiânia se traduziu pela contaminação produzida por 1 grama de
Cs137 (Césio). As centrais nucleares têm em torno que 100 toneladas de material
radioativo, sendo que um terço desse material precisa ser reciclado a cada ano,
ou seja, 33 toneladas por ano. Parte desse material é reutilizado e, pelo
menos, a sua metade se torna lixo nuclear.
Hoje as
autoridades pensam que lixo nuclear não é um problema, porque esse material
fica guardado dentro das próprias centrais nucleares. Porém,
as centrais têm uma vida de 30 anos. Após isso, elas ficam contaminadas e têm
que ser desativadas. Ao serem desativadas, elas têm que ser guardadas, portanto
esse material precisa ser guardado até que ele desapareça naturalmente. Há uma
quantidade muito grande de Pu239 (Plutônio) dentro desse material, uma
das razões pelas quais as centrais nucleares são feitas, porque o Pu239 é uma
material compacto para a produção de bombas nucleares. O Pu239 tem uma vida de
500.000 anos. Significa que 100 Kg de Pu239, em 500.000 anos, decai a 50 Kg. Isso quer dizer que teremos que guardar
esse material por um tempo além de qualquer perspectiva histórica que possamos
conhecer.
Eu trago isso para que possamos entender melhor as
palavras de Allan Grisman, ex-presidente do Bando Central Americano, quando se
revelou surpreso pelo fato de que a inteligência financeira não é capaz de
preservar, nem mesmo, as instituições financeiras. Então esse é um momento
muito importante porque fica muito evidente que não podemos confiar na
inteligência financeira, como a inteligência que dirige os destinos humanos.
Eu lembro de quando Sua Santidade o Dalai Lama esteve
e também falou na Assembléia Legislativa de Porto Alegre. Foi tocado o hino
nacional tibetano pela orquestra sinfônica, a bandeira tibetana subiu junto com
a brasileira, houve execução do hino brasileiro. Sua Santidade lembrava a
importância do mundo político, a importância das autoridades, a importância de
um Estado de direito e aqui, enquanto recitávamos o hino nacional e eu ouvia,
como ouvido, os termos de que agora eu sou um cidadão honorário do Estado do
Paraná, eu lembrava o fato de que nós somos os donos desta terra, ela nos
pertence. E as autoridades representam isso. Nem todos os países, nem todas as nações, ou todos os povos têm esse
privilégio e nós estamos aqui exercendo esse privilégio. Eu me sinto muito
honrado, porque os donos desta terra me oferecem esse título de cidadão
honorário desta terra.
Então é muito importante que nesse momento, lembremos
da nossa condição humana e que assumamos os destinos humanos. Não podemos deixar que os pensamentos
financeiros dirijam os destinos humanos. Nós, seres humanos, precisamos
dirigi-los. Precisamos de valores humanos para dirigirmos os nossos destinos.
Os seres humanos, se não estiverem dirigidos pelo pensamento financeiro, não
farão o que têm feito. E, nesse momento, é muito importante entender que a
cultura de paz traz felicidade a todos nós, mas o pensamento financeiro debate
e derruba o pensamento ecológico e os valores mais elevados. Esse pensamento
financeiro derruba a si mesmo e não é confiável nem mesmo às instituições
financeiras, como o ex-presidente do Bando Central americano, Allan Grisman,
menciona.
Continuação
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